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Apostas esportivas comprometem orçamento familiar das classes menos favorecidas em Brumadinho e região

Foto - Joédson Alves/Agência Brasil

O aumento das apostas esportivas em plataformas online, conhecidas como "bets", está afetando significativamente o consumo de mercadorias e serviços, especialmente nas classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo. Este fenômeno tem comprometido a percepção de melhoria na economia brasileira, incluindo o aumento da renda, crescimento da ocupação e controle inflacionário. Esta avaliação é apresentada pela PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda, ligada à multinacional de auditoria e assessoria PricewaterhouseCoopers.

De acordo com Gerson Charchat, economista, advogado e sócio da Strategy& do Brasil, os gastos com apostas esportivas "já superam outros tipos de despesas discricionárias, como lazer, cultura e produtos pessoais, e até mesmo estão começando a impactar o orçamento destinado à alimentação. Esse desvio de recursos para as apostas exerce uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica da economia de forma geral."

Em Brumadinho, a situação não é diferente. Uma mãe, que preferiu não se identificar, relatou ao Portal Independente que seu filho de 20 anos, atualmente desempregado, está viciado em apostas. Segundo ela, o jovem utilizou o FGTS para fazer apostas. "Foi o primeiro emprego dele. Trabalhou por menos de um ano e meio no Inhotim, mas já saiu. Fico preocupada, porque não somente meu filho, mas os jovens criam uma expectativa de retorno que não existe. Ele praticamente perdeu todo o dinheiro que apostou", comentou a mãe. Casos como este são comuns em Brumadinho e região, onde jovens apostam com a expectativa de conseguir ganhar dinheiro, mas a grande maioria acaba perdendo o valor apostado.

As apostas esportivas em plataformas online explodiram no Brasil após a aprovação da Lei nº 13.756 pelo Congresso Nacional e sua sanção pelo então presidente Michel Temer no final de 2018. De 2018 a 2023, os gastos com apostas aumentaram 419%.

"Em 2018, as apostas representavam 0,27% do orçamento familiar das classes D e E; hoje, esse percentual saltou para 1,98%, quase quatro vezes mais do que há cinco anos. Por outro lado, os gastos com lazer e cultura diminuíram de 1,7% para 1,5% do orçamento, enquanto os gastos com alimentação se mantiveram estáveis", conta Charchat em entrevista para a Agência Brasil. Ele alerta que as apostas esportivas cresceram de forma expressiva e se tornaram uma fonte significativa de gastos, especialmente entre os jovens dos estratos sociais de menor poder aquisitivo. "O fenômeno pode gerar, inclusive, um aumento no endividamento entre a população de baixa renda, o que pode trazer impactos negativos para o crescimento econômico do país."

A análise da Strategy& do Brasil, baseada em dados secundários, assinala que a percepção de dificuldades financeiras pela população cresceu cinco pontos percentuais entre 2022 e 2024. Hoje, um quinto dos brasileiros dizem enfrentar dificuldades para pagar suas contas todos os meses, ou não conseguem pagá-las na maioria das vezes.

Não há informação precisa sobre o número de empresas que administram plataformas no Brasil, nem o volume de dinheiro arrecadado no negócio. Esses números só serão conhecidos após as "bets" obterem autorização do Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa e começarem a arrecadar tributos.

Os impactos e efeitos sobre a economia já haviam sido apontados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Segundo pesquisa de opinião feita para a entidade em maio, entre os que apostam, 64% reconhecem que utilizam parte da renda principal para tentar a sorte; 63% afirmam que tiveram parte da sua renda comprometida com as apostas online; e 23% deixaram de comprar roupas, 19% itens de mercado, 14% produtos de higiene e beleza, 11% cuidados com saúde e medicações.

Para a economista Ione Amorim, consultora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), "o problema escalou" e, além da dimensão econômica, há erros na regulamentação, efeitos sociais e na saúde mental da população não estimados. "Hoje, a gente já tem uma realidade de suicídio, de destruição de lares, de endividamento, de pessoas que já perderam o emprego porque já envolveram tudo que tinham. De doenças mentais extremamente graves por conta dessas dependências, que leva a outra, quer dizer: a pessoa se endividou, e se perdeu, vai do jogo para o álcool, do álcool para as drogas e para o suicídio", descreve Ione Amorim, que já deu palestras sobre os impactos das apostas online até mesmo nas Forças Armadas.

Na avaliação da economista, a situação social e a desinformação tornam o público mais pobre mais vulnerável a correr riscos em apostas. "Nós temos uma população com baixo nível de educação financeira. As pessoas já têm dificuldade de lidar com a sua realidade, de gastar dentro dos seus ganhos." Para ela, a situação socioeconômica de algumas famílias leva ao endividamento para garantir a sobrevivência, e as apostas se tornam um risco atrativo para, ocasionalmente, obter recursos e quitar compromissos.

Ione alerta que "o ganho fácil vai levar a pessoa a um ambiente onde pode haver perdas significativas", destacando que as apostas são intermediadas por sistemas com algoritmos. "A pessoa está jogando contra uma máquina que foi programada. Então, ela vai ganhar eventualmente, mas vai perder muito mais do que vai ganhar."

Os efeitos econômicos, sociais e de saúde mental ocasionados pelas plataformas eletrônicas de apostas esportivas podem ser potencializados com a aprovação do Projeto de Lei nº 2.234/2022, em tramitação no Senado, que autoriza a exploração em todo o território nacional de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo. A aprovação do PL, assim como da lei que autorizou as apostas nas bets, é defendida pela possibilidade de que os negócios gerem emprego, renda e tributos que podem custear políticas sociais. No caso das plataformas eletrônicas, em funcionamento há cinco anos, nenhum real foi arrecadado até o momento.

O recolhimento começará após autorização para exploração comercial pelo Ministério da Fazenda. A outorga será concedida, depois de avaliação técnica e legal, mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União. O prazo para obter a permissão é até o final do ano. A contabilidade de arrecadação de quem defende a legalização dos jogos não deduz as perdas da tributação que estão ocorrendo em outros setores em meio ao crescimento de gastos com aposta e também não dimensiona o aumento de despesas do Estado com segurança pública e com atendimento à saúde mental.

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